O encerramento das escolas e as medidas de confinamento social impostas pelo estado de emergência, decretado na sequência da pandemia COVID-19, suscitam-nos grandes preocupações ao nível do agravamento de situações de negligência e de maus tratos contra as crianças e adolescentes. Simultaneamente, a funcionalidade das respostas previamente existentes vê-se condicionada, não só pela maior dificuldade de reporte por parte das vítimas de tais situações, mas também pela limitada capacidade de perceção de tais riscos/perigos por parte das entidades com competência para a sinalização (estabelecimentos de ensino, hospitais, ONG, Segurança Social), em função das medidas restritivas de circulação impostas pelo estado de emergência decretado no país.
Existem evidências de que a experiência de confinamento social, tal como ocorre presentemente no nosso país no contexto de combate à pandemia COVID-19, não só pode gerar um aumento significativo das ocorrências destes casos de negligência e de maus tratos, como dificultar o acesso a mecanismos de auxílio e socorro às vítimas. Por outro lado, estas poderão responder de forma desadaptativa a experiências de stresse adicional, evidenciando comportamentos disfuncionais, como os que estão relacionados com quadros depressivos e ansiógenos e, no limite, com episódios de ideação suicida.
No caso concreto das crianças/adolescentes em risco/perigo, as escolas, que se encontram encerradas e as unidades de saúde, atualmente sobrecarregadas, são muitas vezes as únicas instituições que permitem detetar e sinalizar situações de negligência e maus tratos.
De igual forma, as limitações operacionais que condicionam o funcionamento de outras estruturas, como as casas de acolhimento, a par das limitações de meios humanos igualmente sentidas pelas entidades que as fiscalizam (designadamente, a Segurança Social), determinam igualmente um aumento do perigo de ocorrência de situações de negligência e maus tratos, dificultando ainda a sinalização de tais casos.
A situação vivenciada nas casas de acolhimento de crianças e jovens, com as visitas proibidas e os contactos condicionados, pode diminuir o controlo sobre a forma como estas instituições cumprem o seu papel e respeitam os direitos de quem lá vive.
Enquanto entidades e indivíduos que intervêm nesta área, este grupo sente como sua a responsabilidade de assumir publicamente a iniciativa de contribuir para minorar os efeitos que o confinamento social pode ter neste contexto. Face à circunstância presente, urge mobilizar a sociedade civil, sensibilizando-a e informando-a do seu papel insubstituível na ajuda às nossas crianças e jovens em risco e perigo.
Importa que cada um/a de nós cumpra o seu papel, estando atento/a, divulgando formas de auto-proteção e meios para obter apoio, sinalizando as situações de suspeita de negligência, maus tratos, abusos contra crianças e jovens às entidades competentes em matéria de infância e juventude. Todos/as somos agentes de proteção das crianças e jovens. Todos/as temos a obrigação de ajudar.
Compete-nos ser diligentes e pró-ativos/as, acautelando verdadeiramente o superior interesse das crianças e jovens. Vamos #AjudAjudar.
Portugal, 4 de Abril de 2020
Os/As Proponentes:
Filipe Queirós, Magistrado do Ministério Público
José Barros, Juiz de Direito em Tribunal, com competência em matéria de família e crianças
Catarina Ribeiro, Psicóloga Coordenadora da Licenciatura em Psicologia da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa – Porto, Perita em Avaliação Psicológica Forense no Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses- Porto
Luís Fernandes, Psicólogo no CAFAP da Associação Sementes de Vida (Beja) e Especialista nas áreas do Bullying e Cyberbullying
Pedro M Teixeira, Professor na Escola de Medicina da Universidade do Minho
Sofia Neves, Presidente da Associação Plano i
Sónia Rodrigues, Psicóloga investigadora externa (GIIAA da FPCEUP) e supervisora de casas de acolhimento residencial
Tito de Morais, fundador do Projecto MiudosSegurosNa.Net e coautor do livro “Cyberbullying – Um Guia Para Pais e Educadores”
Tânia Mealha, Doutoranda em Psicologia, área de Comportamento Desviante na FPCEUP